O paradigma socioeconômico nascido e sustentado pela Revolução Industrial assenta-se, de um lado, sobre a filosofia de corte liberal e, de outro, sobre o modelo de produção capitalista. Este último move-se, como é já notório, pela maximização do lucro e pela contínua acumulação do capital. O motor do lucro, por sua vez, é a exploração em larga escala de todas as forças e potencialidades possíveis e imaginárias: exploração de todo e qualquer recurso que a natureza tenha a oferecer; exploração da força de trabalho humana, ainda que seja sob relações não capitalistas de produção; exploração do saber e do conhecimento, em suas mais ricas e diversas expressões; exploração do patrimônio cultural e dos valores tradicionais dos povos e nações; exploração da ciência e da tecnologia, utilizando suas invenções sempre mais sofisticadas; e exploração das diferenciadas formas de lazer e entretenimento. Todo o paradigma, tanto na teoria quanto na prática, vem carimbado com a marca registrada da exploração/acumulação. Padrão viciado de desenvolvimento.

Disso resulta que da mãe terra se extrai até o último barril de petróleo, do homem e mulher se esgota até a última gota de suor ou sangue, da técnica científica se espreme até a última informação, do conhecimento se resseca até o último cérebro, da cultura se vende e se compra até a última criação estética, do tempo livre se mercantiliza até o último segundo de privacidade. As consequências dessa exploração febril e frenética são já bem conhecidas: devastação do meio ambiente e desertificação do solo; contaminação do ar, das águas e dos mares; extinção de não poucas espécies de fauna e flora; aquecimento global progressivo; desigualdades e assimetrias crescentes entre povos e regiões; êxodo em massa de migrantes e refugiados, de todos os lugares e em todas as direções, na tentativa às vezes vã de encontrar uma digna cidadania. Desemprego e relações de trabalho cada vez mais precárias e instáveis.

Frente a semelhante cenário, que paradigma tem proposto o Papa Francisco com inusitada insistência? Basta um olhar, ainda que sumário, às cartas encíclicas por ele publicadas, às exortações apostólicas, aos discursos, à catequese… enfim aos seus escritos em geral. Ou então, basta uma rápida retrospectiva no que se refere a seus gestos emblemáticos, “tão expressivos que que valem uma encíclica”, como sublinhou alguém. Emerge logo, com um misto de simplicidade e profundidade, um novo padrão de desenvolvimento. Uma espécie de paradigma da preservação, da sustentabilidade e do cuidado. Na figura, na vida e na obra do pontífice subjaz uma pergunta que se mantém como pano de fundo de sua ação sociopastoral: como passar da globalização do descaso e da indiferença para a cultura do encontro, do diálogo e da solidariedade?

Vejamos cada um dos aspectos citados! No caso da preservação, torna-se evidente que a velocidade natural do planeta, das estações do ano e do ritmo da vida não suporta o frenesi endiabrado da produção-comércio-consumo. Ou regulamos a existência ao compasso da natureza, ou perecemos junto com as demais formas de vida. Não basta a garantia dos direitos humanos, é preciso defender os distintos biomas e a biodiversidade no seu conjunto. A extinção de uma espécie de fauna ou flora torna mais frágil a própria existência humana. A primazia da distribuição de renda e riqueza substitui a primazia do crescimento a qualquer preço.

No aspecto da sustentabilidade, convém confrontar o quadro atual com a aliança que Ihaweh estabelece com seu povo no Livro dos Gênesis. Não se trata somente de uma aliança para preservar a terra e a descendência prometida. O pacto vai além. Diz literalmente o texto pela boca de Deus: “Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco, para todas as gerações futuras: porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra” (Gn 9, 12-13). No símbolo ao arco-íris, como se vê, estão contemplados todos os seres vivos e todas as gerações futuras. A sustentabilidade estende-se à vida e à biodiversidade, mas também à sua continuidade sobre a face da terra.

O aspecto do cuidado, enfim, faz transparecer o toque feminino presente em todo ser humano. Cuidar da flor e do jardim, da criança, saúde e educação, da mesa e do alimento, dos direitos/deveres e dos laços e relações interpessoais – eis uma forma de desenvolver o potencial afetivo de toda mulher e de todo homem. Em lugar de coisificar, objetivar e explorar, cultiva-se a escuta, o afago e a carícia. Numa palavra, o cuidado com toda e qualquer existência frágil e vulnerável. Não o “viver bem” que desfruta de tudo e de todas as pessoas, e sim preservar, sustentar e cuidar na perspectiva do “bem viver”, em perfeita sintonia com a fraternidade universal (Fratelli tutti) e com nossa casa comum (Laudato Si’).

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo 1º de agosto de 2023