O papa Francisco cumprimenta o o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu 1º, na conferência “Fé e Ciência: Rumo à COP26”, no Vaticano – Vatican Media – 4.out.21/AFP

Aliança entre religião e ciência pode trazer às mãos a consciência da política.

Este ano, o Reino Unido e a Itália foram parceiros na realização dos encontros mundiais de líderes políticos – reuniram-se mais uma vez na Cúpula do G20 (de 29 a 31/10), em Roma, e na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, os “80% do PIB do planeta”. A proximidade temporal fez do G20 uma antessala para a COP26, que se iniciou em seguida como a tão necessária alavanca do Acordo de Paris (COP21). Mas seu encerramento no sábado (13/11) indicou que as metas mais ambiciosas contra o desmatamento e emissões do gás metano, ou o dinheiro para adaptação de países mais pobres e vulneráveis não irão se refletir em ações transformadoras. Apesar de alguns avanços do Pacto Climático de Gasglow, mais uma vez não ficou acertado como e quando os verdadeiros protagonistas do encontro do clima – indígenas, negros e jovens – irão receber os aportes e os meios para barrar a perceptível crise ambiental.

Desde Roma, as pressões da sociedade civil vinham reverberando os debates entre os poderosos do G20 sobre a saúde pública (COVID19) e o ambiente e desenvolvimento sustentável. O grande consenso foi que a mobilização nas ruas e fóruns paralelos aos encontros fechados de negociadores governamentais foi forte. Ficou claro que os grupos organizados da sociedade sabem falar a língua da política. E todos vimos a jovem indígena Txai Suruí, a única brasileira a discursar na abertura da COP26. O que faltou iluminar foi que, ao lado dessa potência popular, ecoou também a voz do papa Francisco, que fez sua parte como o único estadista em atividade após a saída da primeira-ministra Angela Merkel do comando da política alemã.

Bem antes, no início de outubro (04/10), o papa organizou uma cerimônia para entregar ao presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, e ao ministro das Relações Exteriores italiano, Luigi Di Maio, uma carta de 3 páginas contendo o melhor do conhecimento em ciência sobre o clima em diálogo com a sabedoria milenar das religiões. No Vaticano, o encontro “Fé e Ciência. Rumo à COP 26” reuniu os cientistas internacionais e líderes espirituais de todas as religiões do mundo para assinarem o texto redigido em conjunto ao longo deste ano. Foi o momento de representantes ecumênicos como o Grão Imame de al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, e o rabino Noam Marans, chefe do Comitê judaico internacional para consultas inter-religiosas ecoarem o pedido do pontífice católico por “respostas urgentes e eficazes”.

Nada mais justo que se apele aos governantes membros das Nações Unidas, pois representam cerca de 60% da população planetária. É preciso que tenham eles consciência de seu papel e poder. Mas nada mais potente que o clamor de guias religiosos capazes de vocalizar a emergência ambiental de modo a promover as mudanças comportamentais desenhadas pelo ativismo político.

Conforme dados do Pew Research Center, centro de pesquisas em demografia e dados de religião, cerca de 84% da população mundial professam alguma religião. O estudo “O futuro das religiões no mundo: projeções 2010-2050” indica ainda o crescimento de fiéis – seremos 2,92 bilhões de cristãos (católicos e protestantes, em maioria) em 2050 (contra os 2,17 bilhões em 2010), sem contar que o número de muçulmanos dobrará, alcançando 2,76 bilhões (ao invés dos 1,6 bilhão que havia em 2010). Francisco enfatiza “o compromisso de cada pessoa de cuidar dos outros e do meio ambiente é fundamental”, mas sabe que “não podemos agir sozinhos”. Uma verdadeira mudança de rumos “também deve ser alimentada pela fé e espiritualidade”, a ser continuamente alimentada pelo amor entre a humanidade.

A COP26 poderia ter feito história como decisiva em detalhar mecanismos de ação conjunta para limitar o aquecimento global a 1,5o Celsius até 2050, em relação aos níveis pré-industriais. E, se bem que o mais recente Relatório (AR6) dos especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tenha constatado que as mudanças são alarmantes, e as metas do Acordo de Paris já se revelam insuficientes, nada pode ser mais sinérgico que uma nova aliança entre religião e ciência para trazer às mãos a consciência da política.

Isabel Gnaccarini, jornalista e doutoranda pela Unicamp em Ambiente e Sociedade

Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo